DÚVIDA
Eu me tornei
uma pessoa que duvida de tudo. Em algum momento da minha vida, que eu mesmo não
acredito muito, passei a não aceitar aquilo que me diziam como verdade. Não
acredito que a primeira coisa que duvidei foi se a minha mãe era a que havia me
criado. Quem poderia me garantir que o útero que me abrigou por 9 meses e 17
horas, era de fato o da mulher que um dia conseguiu, num ataque de fúria
acertar um tijolo na minha cabeça. Duvido do amor de mãe. Duvido que as mães
amem incondicionalmente seus filhos, mesmo que eles sejam bonzinhos, ou
pequenas imitações daquilo que as pessoas creditam que seja o demônio. Aliás, e
a propósito, eu não acredito no diabo. Nem em deus. Que fique bem claro!
Eu duvido que
eu consiga contar minha história até o final. Até porque, não acredito que
alguém vai ficar tanto tempo lendo as coisas que eu escrevo. Inclusive, duvido
que alguém ainda perca seu tempo lendo livros e coisas para ler. Por que?
Também não
acredito que cheguei num ponto da vida onde tudo me parece falso. Ou melhor,
num ponto onde tudo carece de uma explicação melhor. Tudo precisa ser
decodificado, tudo precisa ter de responder às dúvidas em seus mínimos detalhes.
Mas será que as pessoas são como eu? as pessoas ainda tem dúvidas? Duvido!
Quando me
disseram pela primeira vez que a água era composta por duas moléculas de
Hidrogênio e uma outra, isolada, sozinha, de Oxigênio, mas que, no entanto, eu
não podia ver essas tais moléculas, aquilo não me desceu pela garganta. Não deu
para engolir. Que moléculas são essas que existem pelo mundo e formam tantas
coisas e no entanto, só conseguimos ver a aglomeração delas?
E quando ouvi
que a Terra era redonda? Por favor! Ou você vê uma linha reta e plana no
horizonte, ou as imperfeições que essa linha tem com seus morros e montanhas!
Como me dizem que a Terra é rotunda como uma laranja? Se até a laranja tem
pequenas reentrâncias que não lhe permitem que seja vista totalmente plana
quando olhada bem de perto por um microscópio, o mesmo aparelho que dizem que
torna possível ver as tais moléculas.
Pois bem. Se eu
for contar todas as coisas de que, ou de quem duvido, é que ninguém vai
continuar lendo isso aqui mesmo.
Quando minha
mãe, aquela que dizia que eu tinha nascido de seu ventre, me mandou comer toda
a comida que estava no meu prato, em especial aquela rodela de beterraba que
ficou no canto do prato desde o momento em que foi posta nele, e eu perguntei
por que deveria comer aquilo que não gosto, ela fez uma pausa, me olhou bem no
fundo do olho e disse:
- Porque senão
você vai ficar doente.
- Mas a
beterraba tem o poder de me curar de todas as doenças?
- Não, mas ela
faz bem para a saúde.
- Mas a senhora disse isso sobre o espinafre e
mesmo assim eu fiquei doente.
- Mas tem que
comer todos os legumes, para ficar protegido.
- Por que os
legumes nos protegem das doenças e os outros alimentos não?
- ...
- Responde pra
mim mãe!
- Olha só, se
você não começar a comer essa beterraba agora, vou enfiá-la pela sua garganta
abaixo! Tá me escutando?!
Como se falando
daquele jeito, àquela altura, eu conseguisse ficar surdo e não obedecê-la.
É um dos testes
mais eficazes para se comprovar o grau de irritabilidade de uma pessoa, ou o
tamanho de sua estupidez: a cada coisa que lhe for dita, adicione um “por
que?”, logo depois. Um dos espetáculos mais interessantes que se pode assistir.
Em geral, dentro desse método que, em crianças até os quatro anos, é
considerado normal, quando se é adolescente ou adulto, passa a ser um negócio
extremamente irritante para o interlocutor. Por que? Porque, pelo que já consegui
observar, poucas pessoas conseguem passar de uns quatro “por que?” dando uma
resposta satisfatória. Por que? Porque ninguém consegue encontrar dentro de si
explicação para tudo o que está dizendo. Por que? Porque as pessoas, muitas
vezes, fundamentam suas opiniões e certezas em coisas que são desconstruídas
facilmente. Por que? Porque ninguém pesquisa muito ou consegue estudar muito
tempo sobre algo que vai fortalecer sua fé, ou crença, nisso ou naquilo. Por
que? Porque no final de tudo, você acaba percebendo que você sabe muito pouco
sobre você mesmo, ou sobre as coisas que você acha que sabe, mas caba
percebendo que na verdade você conhece muito pouco. Duvida? Pode fazer o teste
com quem você quiser. Largue esse texto e vá conversar com alguém e a cada
afirmação que esta pessoa fizer, você emenda com um “por que?”.